Ao longo de séculos, a humanidade construiu e cultivou uma cultura em que a mulher pertencia ao homem. Solteira, serviria ao pai, que decidiria se ela poderia estudar, com quem se casaria, e poderia até mesmo vender sua filha. Depois de casada, pertencia ao marido.
Até pouco tempo atrás, as mulheres não eram vistas como pessoas autônomas. Não tínhamos direito ao voto, e só podíamos praticar atividades cotidianas, como trabalhar e adquirir bens, com autorização do pai ou do marido. Nos primeiros códigos civis brasileiros, estava expresso que em qualquer discordância entre o casal, a vontade do marido prevaleceria sobre a da esposa.
Nesse contexto, o castigo físico praticado pelo homem para punir a desobediência da mulher às suas vontades foi normalizado. Mesmo deixando de ser um direito do marido por lei, a partir de 1890, a violência doméstica contra as mulheres ficou classificada como algo da intimidade do casal. Daí nasceram frases como “em briga de marido e mulher não se mete a colher”.
Hoje, depois de tantas lutas e conquistas das mulheres pela igualdade, ainda persiste em parte da sociedade a ideia de que o homem tem certos direitos sobre sua esposa e que as brigas de um casal devem ser resolvidas entre eles, sem a interferência de ninguém.
É assim que acontecem casos como a morte da advogada Tatiane Spitzner, no Paraná, ano passado. Testemunhas relatam diversos casos em que o marido xingava e humilhava a esposa, e demonstrava ciúme excessivo. Na noite de sua morte, os gritos de Tatiane foram ouvidos por vizinhos e agressões do marido a ela foram captadas pelas câmeras do elevador do condomínio. Ainda assim, ninguém meteu a colher. Apesar da queda do quarto andar, o laudo do Instituto de Criminalística do Paraná aponta que a causa da morte foi estrangulamento. O caso aguarda julgamento.
Segundo o Atlas da Violência 2019, analisando dados entre 2012 e 2017, enquanto o número de mulheres assassinadas fora de casa diminuiu 3%, os assassinatos de mulheres dentro de casa subiram 17%. Pelo relatório da ONU Mulher, cerca de 80% dos assassinatos de mulheres são cometidos por parceiros, ex-parceiros ou familiares.
O feminicídio é, geralmente, o último estágio de uma série de violências, que podem ser físicas, psicológicas, sexuais, patrimoniais e morais. Nós não precisamos perder mais uma mulher para agir, e qualquer pessoa pode denunciar casos de violência doméstica – não apenas a vítima.
Ao ouvir ou presenciar um caso de violência contra a mulher, meta a colher! Acione a Polícia Militar, ligue 180 ou procure uma Delegacia de Defesa da Mulher. Essa atitude simples pode salvar vidas.
Adriana Ramalho
- Vereadora da cidade de São Paulo e presidente da Associação das Vereadoras do Estado de São Paulo. E-mail: adrianaramalho@adrianaramalho.com.br
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