Consta do vasto repertório das lendas familiares que minha bisavó morreu aos 113 anos, que na noite que antecedeu seu fim ela costurou uma meia colocando a linha na agulha sem o uso de óculos e que depois adormeceu para não mais despertar. Também ficou registrado em minha memória que a dita ancestral gozava de perfeita saúde física e mental quando os fatos mencionados acima ocorreram, que ela cuidava de si e de outros, assim como de sua casa, suas terras, animais e plantações. Dindinha, como era conhecida, tinha ainda um alambique que produzia uma cachaça de ótima qualidade consumida por ela após as refeições em tacinhas de cristal normalmente destinadas aos licores.
Seja tudo a mais legítima expressão da verdade, seja uma fantasia que meu pai e tios usaram para valorizar a longevidade que nos é característica, o fato é que senescer intriga, assusta e fascina.
Por que alguns caminham tão longamente, tão bem, enquanto outros mergulham em assustadora decrepitude muito cedo. O que fez com que uma de minhas tias tenha definhado de forma rápida e inadvertida, enquanto outra, irmã da primeira, esteja em pleno domínio de suas funções aos 92 anos?
A geriatria e a gerontologia estudam e estabelecem parâmetros. Pesquisadores mundo afora dedicam-se com empenho para entender nos detalhes mínimos as regiões do planeta em que a longevidade está comprovada. De que se alimentam os moradores de Okinawa? Quantos passos dá um cidadão de Loma Linda? Quem vive na Sardenha sofre estresse? Os gregos icarianos fumam? Como é o consumo de álcool na Costa Rica? Se eu adotar os hábitos de todos os citados, chegarei aos cem anos escrevendo?
Seria a boa genética relatada nas histórias de meus antepassados suficiente? Ou nossos relatos seriam apenas uma maneira de expurgar um fim indesejado fruto do medo que atinge a todos nós?
Em 1993, jovem bolsista no Instituto Adolfo Lutz e tutoriada por sábios pesquisadores, me debrucei sobre a anemia em idosos que, considerada por muitos como um processo natural do envelhecimento, era na verdade um fator determinante para esse envelhecimento. Fiz, portanto, parte do grupo daqueles que queriam entender. Hoje percebo que não será possível estabelecer tão almejado protocolo que nos permita chegar longe e bem. A diversidade de fatores envolvidos é imensa e, temo, inalcançável. Resta-nos viver bem pelo maior tempo que isso for possível!
* Doutora em Saúde Pública, Professora e Escritora
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