Da habilidade de captar a essência do belo e transformá-la em palavras, nascem as melhores poesias. Sou absolutamente inepto para escrevê-las - é a insuperável incapacidade de dominar o abstrato e de dar mais valor à estética do que ao conteúdo. A busca por sílabas métricas bem projetadas que pudessem formar redondilhas menores e maiores comprometeria o êxito de minhas potencialmente fracassadas poesias. Já a crônica se traduz no esforço de retratar a realidade, nem sempre bela. Presumo que as democracias nórdicas sirvam de inspiração para poesias; a nossa, apenas para indignadas e céticas crônicas. Em busca de prévia absolvição da acusação de ser contra regimes democráticos, confesso não nutrir a mínima simpatia por Estados totalitários (e não há espaço suficiente para dissecar todos os motivos de minha aversão). Contudo, parece-me termos esquecido algo fundamental: a democracia não pode ser fim em si mesma. Precisa se revelar como meio para o desenvolvimento social. Países a abandonam por acreditarem que não estavam indo bem. E sempre surgirá algum ungido prometendo estar pronto para salvar a nação se lhe derem poder absoluto, engodo capaz de seduzir muitos incautos. Mas nossa democracia tem nos atendido? Quando a maioria da população passa a entender que não, o regime democrático se torna preocupantemente ameaçado. Não tenho problemas para me posicionar, porém não avaliarei se houve ou não recente tentativa de golpe de Estado por aqui. O mais relevante - e extremamente inquietante - é que há expressiva parcela da sociedade que apoiaria eventual golpe. A China não é democrática e, nas últimas décadas, livrou da fome 300 milhões de pessoas, implantou ensino universalizado e de qualidade, tornou-se potência tecnológica e, a passos largos, caminha para se tornar a maior economia do planeta. Em Dubai, nos Emirados Árabes, também não há democracia. Lá, o índice de roubos é de 1,5 por 100 mil habitantes (dados da polícia local); o nosso, é de 2.226 (dados da Fundação Getúlio Vargas). China e Dubai são capazes de seduzir com a perigosa ideia de que é possível desenvolvimento e segurança sem democracia. A absoluta incapacidade de os três Poderes do Estado atenderem as demandas da sociedade vem solapando nossa democracia, que se comportar como alguém que, caindo do 20º andar, ao passar pela janela do 10º andar, grita ao vizinho que está na sala: “Até aqui, tudo bem!”.
*Coronel PM, advogado e escritor