Os ponteiros do relógio parecem acelerar à medida que envelhecemos.
Lembro-me, ainda adolescente, lá na EsPCEx (Escola Preparatória de Cadetes do Exército), como os alunos se preocupavam em contar os dias e escrevê-los no quadro de giz: quanto faltava para as férias, para o fim do ano, para a formatura, para rever a namorada. O tempo se arrastava como uma tartaruga, quando tudo o que queríamos era que passasse na velocidade de uma Ferrari!
Agora, sessentões que somos, os ponteiros parecem voar, enquanto as “pastilhas de freio” da vida se desgastam, tornando sua manutenção cada vez mais complexa e cara.
A maioria dos geriatras recomenda atividades físicas — musculação, hidroginástica ou até dança de salão — combinadas com novos aprendizados psicomotores e cognitivos, como forma de tentar desacelerar esse processo.
Confesso que, na parte física, tenho sido um tanto preguiçoso. A esteira aqui em casa já se acostumou à velocidade moderada: trinta minutos por dia, três vezes por semana. Na próxima semana volto com força total!
Já em relação ao aprendizado, descobri no violão um estímulo antes impensável para me manter ativo.
Essa história começou num dos meus sábados típicos. Eu e minha esposa costumamos ir ao parque da cidade, aqui em Brasília, para caminhar sem compromisso, relaxar e tomar água de coco.
Certa vez, sentamo-nos perto de uma barraca que acolhia uma animada roda de chorinho. Profissionais e amadores, de várias tribos, se uniam para tocar os clássicos do gênero.
Quando entoavam Carinhoso, de Pixinguinha, todos cantavam. Em Desafinado, de João Gilberto, só os melhores se arriscavam. O ambiente era de pura alegria e pouca preocupação com erros e acertos.
O violonista, em especial, me chamou a atenção. Ele parecia fundido ao instrumento, com os dedos subindo e descendo as cordas com facilidade, usando pestanas perfeitas e dedilhados mágicos, arrancando sons incríveis. Pensei comigo: por que não?
Eu nunca toquei nada. Minha falta de aptidão musical sempre me foi clara. Na “Prep” (apelido carinhoso da EsPCEx), quando cantávamos sambas-enredo, os cariocas raízes só me deixavam bater o bumbo, e assim mesmo sem nenhuma variação: tum, tum, tum...
Quando a família viu meu entusiasmo com o chorinho, presenteou-me com um violão. A madeira brilhante do corpo do instrumento era encantadora e lembrou-me a fivela dourada do uniforme de “preposo”, areada com o lustrador Brasso.
Eu queria logo começar. Nos dias de hoje, basta uma pesquisa no Youtube ou na loja de apps para encontrar o que você quiser. Achei um aplicativo interessante, logo me adaptei ao processo e, uma semana depois, já estava inscrito na versão premium.
Agora faço aulas quase todos os dias, mas tocar violão não é tão simples quanto imaginei. Quando criança, as notas eram DO, RÉ, MI... agora são C, D, E... com variações, acordes, dedilhados e pestanas.
As músicas vão ficando mais difíceis com o tempo, e meus dedos enferrujados parecem não encontrar as cordas certas, mas meu público fiel — sempre ele, a família - me escuta e aplaude com entusiasmo.
Já consigo dedilhar Happy Birthday em ritmo country e Can’t Help Falling in Love, de Elvis Presley. Outras canções estão no repertório, mas não quero me achar um virtuoso com tão pouco tempo de prática.
Brincadeiras à parte, percebo que nesta altura da vida são as grandes coisas que realmente importam, como disse a Nobel de Química Jennifer Doudna conhecida por sua pesquisa sobre genoma.
Os ponteiros seguem seu ritmo inexorável, mas eu me dou o direito de contrariá-los e escolher o meu. Quem se importa se o acorde sai desafinado ou a batida não está no ritmo certo? O desafio é continuar aprendendo, seja violão, tênis, flauta ou até um novo idioma, que tal alemão?
O que vale mesmo? O que vale mesmo são as pessoas que nos amam, aquelas que realmente se importam conosco. Cabe nesse momento, minha homenagem ao professor de chorinho da barraca de coco — Henrique Neto, você inspira muitas pessoas, você realmente importa.
CRÉDITO:
OTÁVIO SANTANA DO RÊGO BARROS
GENERAL DE DIVISÃO DA RESERVA
Comentários: