Vivemos tempos difíceis. A criminalidade tornou-se absurdamente abjeta. O conformismo é intolerável. Entre os mais variados tipos de vítimas, tivemos mais uma mulher. Para ela, o meu olhar de repugnância. Mais um caso, dentre centenas de assassinatos: Bruna Oliveira da Silva, 28 anos. Cursava mestrado em turismo na USP.
Corpo encontrado seminu. Estuprada, morta por asfixia, perto de uma estação de metrô na zona leste. A Polícia identificou o algoz. A Justiça ficou pensando no que fazer. O PCC antecipou-se: matou o criminoso em brutal tortura. Seguidas facadas por todo o corpo. Tinha assaltos no currículo. mas estava solto. O que pensar dessa banalização sinistra?
Vejamos os direitos humanitários legítimos da Bruna. Vida toda pela frente. Família. Amada. Amigas. A mãe contando que a filha tinha ideais feministas. Mais uma, dez mortas em quatro dias. No Rio Grande do Sul, dez mortas só num feriado. Mulher não pode mais andar sozinha à noite? Somos humanos, a prioridade em direitos. Como sempre acontece, não apareceu ninguém para chorar por Bruna e consolar parentes e amigos pelo trauma eterno. É o Brasil gotejando sangue, sob uma apatia imperdoavelmente impressionante.
O matador de Bruna foi justiçado de forma bárbara. Não deveria estar solto, mas estava. A Justiça tem seus ritmos (lentos), simbolizada por Maat, segundo a tradição no Egito, e Têmis, na grega. Justitia, na romana. A força sem lei é um escárnio. Justiça sem força é uma palavra inútil. Nos dois primeiros meses deste ano, em São Paulo foram registrados 10.795 casos de mortes de mulheres e crimes contra a dignidade sexual. Alta de 5,53% em comparação ao ano passado. Quem é o machão matador? Um crápula, bandido, movido pelo ódio, que nutre desprezo total e sentimento de propriedade sobre a mulher. Acha que é o dono da vida. A mulher morta só porque é mulher. Poder Legislativo? Representatividade próxima a zero. Descontrole na persecução penal. Tristes casos de sentenças vendidas. Promiscuidade. Desintonia com a sociedade. Bruna, mero acréscimo nas frias estatísticas. Indiferença. Impunidade. Estímulo para matar. Vergonha de um mundo cada vez mais cão (sem demérito aos cães). Omissão, pecado que se comete quando nada se faz. Anestesia moral. Neutralidade cúmplice.
Sinos, dobrem por Bruno. Matar é a maior das violências. O crime organizado, sem perdoar, foi rápido. Mas alguém foi lento.
*Jornalista e escritor