...de um ano em que fosse tão necessária a renovação da esperança e de que tanto sentido fizesse a celebração adequada de Natal e Ano Bom. 2020 que começou com a metafórica promessa de tudo em dobro – 20 + 20 – mostrou-se um ano terrível. O Carnaval já prometia algo mórbido, como se fora o clima de “Morte em Veneza”. A peste chegava do outro lado do mundo e ninguém imaginava fosse chegar tão rapidamente ao Brasil.
Ela deve ter vindo de primeira classe, com os irrequietos transeuntes do planeta, acostumados a percorrer todas as partes do mundo e a fazer dos aviões uma espécie de terceira morada.
Ao chegar, mostrou sua crueldade. Arrebatou primeiro os idosos; depois aqueles já portadores de comorbidade. Em seguida, quem estivesse ao seu alcance: bastava respirar no mesmo ambiente, estar ao lado de quem tossia ou espirrava. Ou seria suficiente o toque em superfície habitada pelo coronavírus?
As mortes foram se acumulando. O contágio crescendo. O terror aumentando. O negacionismo assustando mais do que a própria doença. E as crianças sem aulas. Os cinemas fechados. Os teatros idem. Bares e restaurantes. O medo evitando o transporte coletivo. A miséria aumentando. Os invisíveis surgindo do nada. As estatísticas evidenciando o quão frágeis são nossas estruturas existenciais.
Dez meses de muita reflexão e de um exame de consciência que havia muito ninguém fazia. Como é débil e impotente o ser humano, diante de uma praga surgida não se sabe como!
De que vale arrecadar bens materiais, assumir ares de importância, arrotar autoridade, força e poder, se o minúsculo vírus nos acomete, nos prostra, nos faz entubar e nos mata?
Nesse panorama real é que reassume importância a promessa do Natal. Aniversário de Cristo, aquele que nasceu numa estrebaria, de pais humildes, submissos à ordem temporal que obrigava o recenseamento no lugar em que se viera ao mundo.
Uma criança que se propôs sacrificar-se para restabelecer a aliança que o Criador fizera com a criatura pecadora. Aqueles que conviveram com Cristo assistiram à milagrosa existência de quem ressuscitou mortos, curou enfermos, fez cegos enxergarem e paralíticos andarem. Caminhou por sobre as águas do mar, alimentou com alguns pães e peixes a multidão que o seguia.
Aos poucos, a humanidade foi se esquecendo disso e o Natal passou a ser a festa do consumo, da fartura à mesa, das libações e de votos nem sempre sinceros. Os homens se esqueceram do aniversariante.
Mas alguns se lembraram dele neste ano em que milhões deixaram a vida. E outros milhões se infectaram e muitos milhões ainda temem se infectar.
Agora é tempo de recuperar o verdadeiro sentido do Natal. Promessa de vida que não se resume ao acúmulo de bens, mas é algo muito mais profundo. Pensar se vale a pena alimentar ressentimentos, ser malicioso, maledicente e egoísta, se nossa existência é um sopro tão vulnerável.
*José Renato Nalini é Reitor da UNIREGISTRAL, docente da Pós-graduação da UNINOVE e Presidente da ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS – 2021-2022.